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HISTÓRIA CLUBE ITAJUBENSE
CAPÍTULO 05

A história relatada nestes textos foram tira da do livro "Conversa Centenária - A História dos 100 anos do Clube Itajubénse - De: Fernando Antônio Xavier Brandão". Por ser muito extenso, foram divididos em capítulos separados e para facilitar ao leitor em sua pesquisa e leitura.

Segue abaixo os índices dos capítulos e para acessa-los basta clicar num dos links.

INDICE

CAPÍTULO 01  - Dos sonhos à realidade .............................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 02  - Consolidação I e II....................................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 03 - A primeira das instalações...........................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 04 - Adm. do clube em seus primeiros 50 anos ......CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 05 - Pausa histórica na madrugada 10/jul/1947......CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 06 - Adm. do clube nos últimos 50 anos................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 07 - Pontos altos da história do clube..................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 08 - Entre eventos, teceram-se acordos..............CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 09 - Os carnavais do Clube Itajubense.................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 10 - Os bailes de debutantes.............................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 11 - Sede campestre........................................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 12 - Fatos curiosos..........................................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 13 - Apoio inestimável......................................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 14 - Festividades e planos futuros......................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 15 - Aplausos finais..........................................CLIQUE AQUI

CAPÍTULO 05


PAUSA HISTÓRICA NA MADRUGADA DE 10 DE JULHO DE 1947

Agora, sentia que tomara uns rabos-de-galo a mais. Não era enjôo. Era só uma tontura leve e uma lassidão, que lhe tomava todo o corpo. Sessentão e com excesso de peso, reconhecia que mais uma vez fizera besteira. Já jurara a si próprio, mais de uma vez, só tomar vermouth com cachaça, nos ajantarados caseiros dos domingos. Em casa, podia curar a moleza do corpo com uma boa soneca depois do almoço. Mas, com a carga nervosa com que se envolvera na Assembléia Geral do Clube Itajubense, que terminou quase à meia noite e com o frio que estava fazendo, os três ou quatro tragos caprichados até que serviram para relaxar os nervos.

Bem agasalhado, com o pulôver de tricô por baixo do paletó pesado e mais o cachecol de lã dobrado em dois em volta do pescoço, mirava as pontas dos pés, as pernas curtas esticadas, sentado meio esparramado, no banco da Praça Cesário Alvim. Ainda sentia frio. Esse maldito frio de Itajubá! Ainda bem, que não estava ventando. Pois, quando ventava gelado, em horas tardias como essa, não havia couraça que agüentasse. Olhou as horas. Passava da uma da madrugada de 1º de julho de 1947.

Não poderia ir de imediato para casa. Solitário no banco da Praça, pensou na mulher e no quanto ela detestava bafo de bebida. Mais um pouco e poderia subir a Rua Pereira Cabral, em direção ao lar doce lar. A mulher já estaria dormindo e nem notaria a sua chegada.

Pôs-se a fazer exercícios de memória. Na falta de um companheiro para conversar, exercitou a cabeça para afastar a sonolência. Verdade fosse dita, foi a Assembléia mais agitada em que tomara parte, em toda a sua vida. O pau quebrara feio lá no Clube Itajubense e seria assunto para muito tempo.

Até que o Dr. Jayme Wood, membro da Junta Governativa que estava administrando o Clube, tentara se manter calmo, como Presidente da Assembléia. Mas nem ele agüentou e chegou a renunciar! Tudo porque o assunto era mais do que polêmico. Era uma bomba, mesmo! Discutir e deliberar sobre as reformas sociais, financeiras e materiais que a Junta Governativa vinha executando no Clube, sem autorização de uma Assembléia Geral dos associados, poderia até ter gerado desagravos mais sérios entre os oponentes, não fossem todos eles membros do Clube mais tradicional da cidade. Mesmo assim, até esse momento, não sabia como não ocorreram dois ou três enfartos, entre os mais extremados participantes das discussões. Os nervos haviam começado a esquentar com a leitura da Ata da Assembléia de dezembro passado. Depois foi a leitura pelo Waldomiro Verano do Memorial do sócio Luiz Gomes da Silva, com cento e tantas assinaturas. O Memorial discordava e por isso protestava contra a transformação do Clube Itajubense, de Sociedade Civil Coletiva, que era, em Sociedade Civil Privada por Quotas de Sócios Proprietários. Tudo acontecera, e disso se lembrava bem, porque, na última Assembléia Geral, em dezembro passado, foram dados poderes à Junta Governativa para, dentro do prazo de seis meses, apresentar um projeto de reformas. A Junta Governativa, sem qualquer Assembléia que a autorizasse, em vez dos projetos, já havia começado a cobrança das quotas de propriedade dos sócios, dentro da nova modalidade em estudo. E tudo para arrecadar dinheiro para urgentes reformas do prédio da sede. Quer dizer, haviam colocado o carro adiante dos bois. O desentendimento, a balbúrdia e a intolerância chegaram a tal ponto que o Presidente da Assembléia, Dr. Jayme Wood, renunciou à Presidência da sessão e os trabalhos passaram a ser dirigidos pelo Dr. Luiz de Lima Vianna.

Ficara impressionado com as explicações do Dr. José Ernesto Coelho sobre a manilha de esgoto, que rebentara debaixo do prédio e que pusera em perigo paredes, solapando fundações. E no final, os sócios presentes acabaram prorrogando o mandato da Junta Governativa por mais seis meses e a mesa diretora marcando nova Assembléia Geral, para daí a quinze dias. Virgem Maria, que reunião tumultuada, para no final ficar o dito pelo não dito.

Mas, em sua opinião, essas discussões exacerbadas, essa paixão violenta, essas cabeças esquentadas eram frutos da ansiedade para o retorno da representação política, que o povo itajubense tanto desejava. Longos anos sem o exercício do voto, vivendo dentro do clima de uma ditadura, no momento em que novo período democrático era projetado no horizonte, era natural que essas explosões de opiniões pessoais, de ânimos voluntariosos surgissem dentro das entidades associativas. Era uma espécie de balão de ensaio. A liberdade da expressão aflorando de repente, com todo o ardor! Acontecera no Clube, como poderia ter surgido na Associação Comercial, por exemplo. Era sinal dos tempos e do ressurgimento da liberdade política. Mas, Deus nos livre de outra experiência igual a desta noite, no Clube. Senão, teríamos uns três enfartados na próxima vez. Nem pensar!

O que ocorrera no Clube era uma pequena amostra do que se aproximava, nas campanhas pelas eleições municipais. A última eleição municipal fora realizada em junho de 1936, estranhamente em pleno regime da ditadura Vargas. A posse da Câmara Municipal de Itajubá, naquela noite fria de onze anos atrás, havia sido um terrível espetáculo. Ele estava lá e se lembrava bem. O salão do Fórum, onde a cerimônia foi realizada, havia sido ocupado em mais de 80%, por integralistas, com seus uniformes e o sigma da falange no braço. Depois de desagradáveis incidentes, por causa da interpretação do canto do Hino Nacional, aquela Câmara havia tido a incumbência de indicar o novo Prefeito, Dr. Luiz Pereira de Toledo, ao Interventor do Estado, Dr. Benedito Valadares. Não era para dar certo! O Dr. Luiz Pereira acabou renunciando, e aí veio, Graças a Deus, o ótimo período do Governo do Coronel Alcides Faria. Até o Prédio da Prefeitura, atrás do Mercado Municipal, o Coronel Prefeito comprara. Itajubá não possuía local próprio para instalar o Poder Municipal. Uma vergonha!

Depois do Coronel Alcides Faria, Itajubá sofreu demais. Veio a ter nada mais nada menos que seis outros Prefeitos nomeados. Apesar das boas intenções de todos eles, cada qual ficava um período menor que o do outro. Não bastam as boas intenções. O inferno está cheio delas, como dizia esse vigário novo, Padre Agostinho Picard, holandês que estava encantando Itajubá. Vigário trabalhador! Mas, Igreja Matriz não é Prefeitura! A verdade é que em governo municipal de interior, quase nada se podia fazer em poucos meses. O Dr. Jaime Wood, que essa noite, no Clube, chefiara a Assembléia, era o Prefeito atual da cidade. Desde abril passado. Não estava fazendo uma má administração. Não, não estava. Mantinha as coisas funcionando, e mais não podia fazer com a falta de dinheiro e de prazos para as obras.

Ainda bem que surgira um novo jornal na cidade. O SUL DE MINAS chegara em boa hora, depois de Itajubá ter ficado sem um informativo em circulação. Era do João Aldano da Silva, moço bem intencionado. Apoiava o PSD, e já fazia a campanha para o Dr. Sebastião Pereira Rennó. Noticiava as coisas da terra. Importante!

A cidade, já com trinta e oito mil habitantes, depois de anos e anos, havia tomado o gosto político de novo, com as eleições para Presidente da República, em dezembro de 1945 e para Governador de Estado, em janeiro último. Foram eleições que abriram o apetite para a velha política municipalista. Ainda bem que o Presidente Eurico Gaspar Dutra e o Governador Milton Campos haviam saído vitoriosos em Itajubá. Era confortável estar de bem com dirigentes a níveis estadual e federal.

Particularmente, levava muita fé no Dr. Sebastião Pereira Rennó, como candidato a Prefeito. Eleições que escolheriam, também, os vereadores, e seriam realizadas até o final do ano. O Dr. Sebastião tinha uma promessa imbatível. Novo abastecimento de água para a cidade! Estamos vivendo uma penúria danada, uma crise sem precedentes, com tantas falhas no abastecimento d'água. Itajubá cresceu muito e o povo já não agüenta mais viver nesse desespero!

Curioso, pela primeira vez, vamos ter dois poderes paralelos, o legislativo, representado pela Câmara e o executivo, representado pelo Prefeito. Uma espécie de miniatura de Assembléia e de Presidência da República. Com o Marechal Dutra estava dando certo. Daria certo nos municípios? Era uma mudança radical. Nada mais se assemelhava aos sistemas da República Velha. Estamos vivendo o esplendor e, quem sabe, as mazelas da chamada República Nova. A coisa toda tinha exaltado demais os partidos. Eram uma infinidade deles. Todo mundo parecia querer um pedacinho do poder! Poderes legislativo e executivo municipais... Ainda haveria muito pano para manga....

E as reformas do Presidente Dutra já haviam começado. Em primeiro lugar, a Nova Constituição, aprovada em 18 de setembro do ano passado. Feriado nacional e dia de muita festa. Em Itajubá, o foguetório só perdeu para aqueles famosos das duas comemorações do final da Guerra, na Europa. Em abril, no rebate falso, e em maio de 45, para valer! Dera trabalho essa Constituição, reconhecia. Foram sete meses de reuniões da Assembléia Constituinte de não sei quantos deputados e senadores, sob a Presidência do Senador Melo Viana. Mas, Graças a Deus, saímos de uma terrível ditadura para um regime democrático novinho em folha. Até com a Lei Maior novinha em folha!

Porém, o Presidente Dutra fizera uma coisa com a qual não concordava. Definitivamente! A extinção do jogo! Há poucos dias, conversava com um amigo de São Lourenço. A cidade estava às moscas! Os veranistas dos anos anteriores foram reduzidos a menos da metade. Agora, iriam jogar no Uruguai e na Argentina! Pela primeira vez, os hotéis haviam tido tremendos prejuízos! E tudo devido ao fechamento dos cassinos! Bobagem essa do Dutra de dar ouvidos à pressão da Igreja! Por outro lado, a decisão de considerar ilegal a existência do Partido Comunista no Brasil, no mês passado, foi uma medida boa. O Partido foi fechado e colocado fora da lei. Mas, era, também, obrigado a reconhecer que essa decisão foi mais uma vitória do Presidente Truman dos Estados Unidos. Os jornais não falavam em outra coisa. Lera uma entrevista do Afonso Arinos de Melo Franco, ao Jornal do Brasil. Os americanos, com o Presidente Truman à frente, haviam feito pressão sobre o governo brasileiro. O Partido Comunista Brasileiro fora fechado, após vários choques entre seus manifestantes e a polícia. Duvidava que o Brasil fosse merecer alguma compensação por essa decisão extrema. Na Europa, a campanha do Presidente Truman contra o comunismo estava obcecada e dura. Instigado pelo General Marshall, que em contrapartida havia proposto uma ajuda considerável para a Europa! Aqui, até agora, nenhuma ajuda palpável!

Para complicar, os analistas econômicos não se cansavam de criticar a política econômica do Presidente Dutra. Parece que a ordem era gastar os excedentes de moeda forte, acumulados durante a Guerra Mundial. Essa liberdade de importação de bens manufaturados, para combater a inflação, vai acabar com nossas reservas! Qual o que, não sou favorável a esse liberalismo do "laissez faire"!

Recordava-se como os jornais não se cansavam de noticiar os acontecimentos, cada vez mais agitados, na Índia e na Palestina. A guerra entre indianos e paquistaneses fugira ao controle dos ingleses. Os colonizadores britânicos teriam de dar, a qualquer momento, a independência ao povo indu. Tudo por obra e graça desse colosso de humildade, que era o Mahatma Gandhi.

Na Palestina, não havia como controlar a entrada de judeus emigrantes do mundo todo. Estavam realizando o êxodo em massa. Os choques eram inevitáveis, e estavam ocorrendo desde o término da 2ª Guerra Mundial. Como seria possível dividir a Palestina, entre árabes e judeus?

Reconhecia que os judeus tinham o direito a uma pátria, mas essa questão de buscarem essa pátria em terras ocupadas há milhares de anos pelos palestinos, não sei não...

Mudando os pensamentos de um polo para outro, lembrou-se de dois acontecimentos, que foram pratos cheios nos comentários na Farmácia do Jorge Braga e ainda lembrados até hoje. Primeiro, o ridículo do Deputado Federal Barreto Pinto, que pousou de cuecas e casaca para a revista O Cruzeiro. A reportagem daqueles dois terríveis repórteres, o David Nasser e o Jean Manzon, repercutiu tanto que o Deputado, eleito pelo PTB e amigo pessoal do Getúlio, foi cassado e perdeu o mandato. Em Itajubá, duvidava que houvesse um louco desse porte. Nem sequer entre a estudantada do Instituto Eletrotécnico. Por falar nisso, gostara da atitude daquele estudante, o Benjamim Mário Baptista, na Assembléia do Clube. Mas, já estava misturando assuntos de novo. Seria a idade?

O outro fato de muitos comentários tinha sido o filme O Ébrio, com o Vicente Celestino e direção de Gilda de Abreu. O sucesso foi geral em todas as cidades, onde o filme foi exibido. Em Itajubá, o Pedrinho Rennó faturou um bom dinheiro com a exibição. Também pudera, foram muitas sessões especiais nos Cines Apollo e Paratodos.

Impressionante! Toda vez que bebia um pouquinho mais, ficava pensando no maldito filme O Ébrio. O melhor filme nacional, que jamais assistira!

Levantou-se já quase refeito. O ar frio da noite fizera-lhe bem. Em passos lentos, sem cambalear, subiu a Pereira Cabral, cantarolando a marchinha de grande sucesso do carnaval deste ano. "E o cordão dos puxa-sacos, cada vez aumenta mais..."


O Clube Itajubense e a Praça Cesário Alvim, hoje Praça Theodomiro Santiago (década de 50).


A imponente fachada, com suas colunas coríntias.


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